Constataremos a seguir que na Cidade da Arte, após alguns anos de atuação nos diferentes setores de caridade, enxugando uma e outra lágrima, era concedido a todos a oportunidade de expressar suas experiências adquiridas no apostolado da sublime fraternidade.
“A cada lição do Evangelho do Senhor, esplanada pelo jovem catedrático, a cada exemplo apreciado do Mestre Inesquecível, seguiam-se testemunhos nossos, na prática entre os humanos e os desventurados sofredores, assim como análises através de temas que deveríamos desenvolver e apresentar a uma junta examinadora a qual verificaria nosso aproveitamento e compreensão da matéria.
Freqüentemente, pois, produzíamos peças vazadas em temas elevados e inspirados no Evangelho, na Moral como na Ciência, romances, poemas, noticiários, etc.
Uma vez aprovados, estes trabalhos poderiam ser por nós ditados ou revelados aos homens porquanto instrutivos e educativos, conveniente, por isso mesmo, à sua regeneração; e o faríamos através da operosidade mediúnica, subordinados a uma filosofia, ou servindo-nos de sugestões e inspirações a qualquer mentalidade séria capaz de captar-nos as idéias em torno de assuntos moralizadores ou instrutivos.
E quando reprovados repetiríamos a experiência até concordar plenamente o tema com a Verdade que esposávamos e também com as expressões da Arte, de que não poderíamos prescindir.
Os dias consagrados a tais exames eram festivos para todo o Burgo da Esperança. Legítimos certames de uma Arte Sagrada – a do Bem – o encanto que de tais reuniões se destacava ultrapassava todas as concepções de beleza que antes poderíamos ter!
Esforçavam-se os vigilantes na decoração dos ambientes, na qual entravam jogos e feitos de luzes transcendentes indescritíveis em linguagem humana, enquanto luminares de nossa Colônia, como Teócrito, Ramiro de Guzman e Aníbal de Silas se revelavam artistas portadores de dons superiores, quer na literatura como na música e oratória descritiva, isto é, na exposição mental, através de imagens, das produções próprias.
De outras esferas vizinhas desciam caravanas fraternas a emprestarem brilho artístico e confortativo às nossas experimentações.
Nomes que na Terra se pronunciam com respeito e admiração acorriam bondosamente a reanimar-nos para o progresso, ativando em nossos corações humílimos o desejo de prosseguir nas pelejas promissoras.
Não faltaram mesmo em tais assembléias o estímulo genial de vultos como Vitor Hugo e Frederic Chopin – este último considerado suicida na Pátria Espiritual, dado descaso com que se ativera relativamente à própria saúde corporal; ambos, como muitos outros, cujos nomes surpreenderiam igualmente o leitor, exprimiam a magia dos seus pensamentos, dilatados pelas aquisições de longo período na Espiritualidade, através de criações intraduzíveis para as apreciações humanas do momento!
Tivemos, assim, ocasião de ouvir o grande compositor que viveu na Terra mais de uma experiência carnal, sempre consagrado à Arte ou as Belas-Letras, as suas melhores energias mentais, traduzir sua música em imagens e narrações, numa variedade atordoadora de temas, enquanto que o gênio de Hugo mostrava em lições inapreciáveis de beleza e instrução a realidade mental de suas criações literárias!
O poder criador desta mentalidade, a quem a Terra ainda não esqueceu e e que a ela voltará ainda a serviço da Verdade, servindo-a sob prismas surpreendentes, verdadeira missão artística a serviço dAquele que é a Suprema Beleza, deslumbrava nossa sensibilidade até as lágrimas, atraindo-nos para a adoração ao Ser Divino porventura com idêntico fervor, idêntica atração com que a faziam Aníbal de Silas e Epaminondas de Vigo valendo-se do Evangelho da Redenção e da Ciência.
Era o pensamento do grande Hugo, vivificado pela ação da realidade, concretizando de forma a podermos conhecer devidamente as nuanças primorosas das suas vibrações emotivas transubstanciadas em assuntos encantadores da epopéia do Espírito através de migrações terrenas e estágios no Invisível, o que equivale dizer que também ele colaborava na obra de nossa reeducação.
Surpreendeu-nos então a notícia, ali ventilada, de que o gênio de Victor Hugo se confirmava na Terra desde muitos séculos, partindo da Grécia para a Itália e França, sempre deixando após si um rastro luminoso de cultura superior e de Arte.
Seu espírito, pois, em várias idades diferentes, tem sido venerado por muitas gerações, cabendo-lhe positivamente a glória de que se cerca em planos intelectuais.
Quanto ao outro, Chopin, alma insatisfeita, que somente agora compreendeu que com o humilde Carpinteiro de Nazaré encontrará o segredo dos sublimes ideais que a saciarão, em miríficas expansões de música arrebatadora, transportada da magia dos sons para o deslumbramento da expressão real, deu-nos o dramático poema das sua migrações terrenas, uma delas anterior mesmo ao advento do Grande Emissário, mas já a serviço da Arte, cultivando as Belas-Letras como poeta inesquecível, que viveu em pleno império da força, na Roma dos Césares!”
Camilo Candido Botelho. Memórias de Um Suicida. Psicografado por Yvone do Amaral Pereira. FEB. Cap. IV